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Era de likes: Uma geração adoecida pelos efeitos colaterais do uso exagerado das redes sociais

Publicado por: Carol Castro | 20 abr 2022

Profissionais discutem sobre psicologia positiva e a chamada ‘produtividade mecânica

Coluna especial da redação

Por Carol Castro

Edição: Amanda Escorsin

Em uma era em que ‘likes’ e seguidores contam tanto para a felicidade da grande maioria do público, os chamados influenciadores digitais ou somente influencers ditam o que é tendência para milhares de pessoas principalmente pelo Instagram, rede social voltada para o compartilhamento de fotos e vídeos.

Segundo a psicóloga clínica Liliany Souza, mestre e doutoranda em Psicologia e Cultura pela Universidade de Brasília (UNB), “quando se fala em redes sociais, as pessoas já as colocam em um local de demonização como se, por si só, fossem um problema. Mas na verdade não: o que acontece, como o próprio nome já diz, é a promoção da sociabilização das pessoas; de nós, como seres humanos que vivem em sociedade e que usam a internet como forma de conexão.”

Análise: ‘Vidas perfeitas’

Sempre felizes e com o corpo e o cabelo perfeitos, digital influencers ostentam os carros do ano, casas de tirar o fôlego e viagens dos sonhos. Para a “psicologia positiva”, ramo da psicologia que investiga a felicidade e os vários aspectos positivos da experiência humana, a forte exposição dessa alegria e satisfação com a vida pode causar efeitos colaterais em quem consome diariamente a “vida perfeita” dos outros: é a chamada “positividade tóxica”, expressão que tem sido usada para dar nome a pressão adquirida através do consumo de discursos editados positivamente para as redes sociais.

Um exemplo prático é como os coaching’s agem, pregando a ideia de que, para se ter a vida dos sonhos, basicamente pautada em ter dinheiro e o corpo perfeito, basta “focar e acreditar”, não dando vazão aos diferentes estilos de vida existentes. “Não se tem espaço para a diversidade, o que é um grande problema. Sabemos que as estruturas de vida humanas são diversas, então, o que me faz feliz pode não te fazer feliz, não existindo um padrão a ser seguido”, explica a psicóloga.

Algoritmo que dita regras: Instagram como o atual ‘ganha pão’


Não bastando tal situação, existe, ainda, o problema do ciclo da “produtividade mecânica”. No Instagram, o algoritmo funciona da seguinte forma: duas grandes métricas de interação, conhecidas como curtidas e comentários, servem como “termômetro” para que a rede priorize os posts mais populares e rentáveis o que, basicamente, leva o influencer a desgastar seu físico – e especialmente o emocional – em busca de conteúdos que gerem maior número de visualizações, como explica a maquiadora e jornalista, Jhéssica Carvalho.

Ter que postar todos os dias, e postar coisas diferentes que não cansem a sua audiência esgota muito a nossa mente. A gente se cobra demais e as pessoas também te cobram. (…) Esse é o maior ponto negativo para quem trabalha como influencer: precisar ficar ativo demais e não se desligar nunca

Jhéssica Carvalho, jornalista e maquiadora profissional

Ariane Conterno, influencer e modelo plus size, desabafa sobre os riscos da profissão. “Você pode não estar feliz, não estar satisfeita, mas vai postar mesmo assim porque, na nossa profissão, se ficamos um dia sem postar já podemos perder seguidores e, consequentemente, publicidade, parcerias e dinheiro”, explica.

Para manter a saúde mental e evitar ser atingido pela positividade tóxica, o uso racional das redes sociais é o mais indicado. Mas como usá-las da forma certa? Como saber qual é a medida e quando a estamos excedendo? Desejar ter uma vida melhor não é o problema, mas sim, acreditar que a felicidade só será alcançada quando se realizar todos os desejos materiais.

Existe vida fora das telas

De acordo com especialistas, a felicidade tem alguns princípios similares para a humanidade, mas a forma de vivê-la é individual, não devendo ser obrigatório seguir o padrão de vida exposto pelos famosos.

Cada um de nós tem um histórico social e particularidades. Hoje, nas redes sociais, consumimos muitas demandas sobre a dimensão da felicidade do outro e nessa dinâmica há um acréscimo muito maior da angústia, até mesmo pela pressão de estar se expondo toda hora explica

Frederico Tomé, antropólogo e professor no UniCeub

Para Níkaly Heidemann, digital influencer especialista em micropigmentação de sobrancelhas e lábios, a autoaceitação é um dos pilares para se alcançar a felicidade. “No Instagram tudo é maquiado! A saúde mental depende muito da aceitação. Antes eu era uma pessoa frustrada por não levar a mesma vida perfeita que eu via todo mundo postando. Hoje eu sou uma pessoa feliz e entendo as minhas limitações.”

A profissional conta que sempre foi uma pessoa vaidosa e, quando começou a trabalhar com internet, passou a lutar contra a crença de “perfeição” que lhe era imposta.

Distúrbios e transtornos psiquiátricos

Ainda segundo profissionais de saúde mental, as redes sociais podem tanto oferecer gatilhos mentais para quem tem algum distúrbio ou transtorno psiquiátrico, como comportamentos autodepreciativos e depressivos, agravando os sintomas, quanto ajudar na valorização da imagem e autoconhecimento.

“O uso dessas redes amplia a potencialidade nos conectarmos, ampliamos a potencialidade de socialização e de conviver em sociedade, e isso traz muitos benefícios”, explica Souza. “Por exemplo, alguém que cresce em uma cidade do interior tem, hoje, com o advento da internet, o contato com pessoas em diferentes partes do mundo, o que faz com que essa pessoa possa ter acesso a outras possibilidades de existência que não só aquela de se viver em uma cidade que seja pequena. Essa potencialidade de socialização, conexão e fortalecimento de vínculos afetivos por meio das redes sociais é muito positivo para a nossa saúde mental.”

Acompanhe alguns relatos:

Mostrar que todo mundo sofre e todo mundo tem problemas, ser transparente, fez com que eu entendesse que eu era uma pessoa normal e que isso ajudaria muitas pessoas a se aceitarem como elas são, assim como eu me aceitei. Hoje minha cabeça é outra

Níkaly Heidemann, digital influencer em micropigmentação

Ver que eles (os influencers) não tem nenhum problema, podem comprar tudo… Fico colocando na cabeça que aquela é a minha meta de vida, mas lá no fundo sei que isso é quase impossível. Chega a ser tóxico

Nathália Vargas, jornalista de 21 anos

Conteúdo exclusivo da Redação Dama do Poder

Carol Castro

Graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília, Carol Castro tem passagem por assessoria de imprensa, redação e rádio.